A presença negra na arte brasileira é datada de séculos passados. Desde os pintores e arquitetos que construíram a iconografia religiosa do país, passando pelos pré-modernistas, modernistas e, finalmente, contemporâneos, os caminhos percorridos pela arte afro-brasileira são vastos em pontos de contato e distanciamentos. De fato, essa abundante produção esteve presente nos principais momentos – e movimentos – que formaram e cunharam a própria história do Brasil. Por vezes não referenciada, a arte produzida por pessoas negras é sinônimo de pluralidade.

Dos livros, catálogos, exposições e pesquisas que abordaram essa presença, despontam, nos últimos anos, ações que reivindicam um lugar em perspectiva com as mudanças do pensamento e práticas dissonantes. A arte produzida por pessoas negras delineia novas ideias, atreladas às constantes inquietações por um apurado senso estético e político. Nessas produções, destaca-se o rompimento de uma concepção de unicidade, pelo interesse em desconstruir fórmulas, reinventar espaços e assumir protagonismos.

Idealizada a partir do Projeto Afro, plataforma de mapeamento de artistas negros/as/es, a exposição Encruzilhadas da arte afro-brasileira apresenta 61 artistas de todas as regiões do país, entre os mais de trezentos mapeados. Buscando examinar e propor um outro referencial para uma história antes contada na ótica hegemônica branca, a exposição elenca nomes fundamentais para se (re)pensar os emaranhados de um sistema que é desigual. Arthur Timótheo da Costa, Rubem Valentim, Maria Auxiliadora, Mestre Didi e Lita Cerqueira ocupam o prédio desta instituição, cada qual em um dos cinco eixos temáticos: Tornar-se; Linguagens; Cosmovisão; Orum; e Cotidianos, respectivamente.

Em diálogo com artistas contemporâneos, essas relações se dão por diferentes tempos, temáticas, técnicas, formas e cores empregadas, aproximando artistas de períodos e regiões distintas, sem esgotar a abrangência, a complexidade e as distintas pesquisas empregadas pela produção artística e intelectual de pessoas negras. As vias possíveis de confluências acontecem, desse modo, na coletividade, mas sem perder a subjetividade dos trabalhos aqui apresentados.

Se, por um lado, esses cruzamentos abrem os caminhos, por outro, a arte afro-brasileira é a encruzilhada que manifesta os rumos das narrativas que ressignificam territórios e histórias.

Deri Andrade

Curador


Galeria

Série “Afetocolagens”, Silvana Mendes (2022). Foto: Coleção da artista
“Estudos sobre natureza-morta #1”, Adriano Machado. Foto: Coleção do artista
“Os pardos também amam”, Paty Wolff (2021). Foto: Coleção da artista
“Sebastiana”, Victor Fidelis (2023). Foto: Coleção Kenni Kool

Eixos

Tornar-se

Produzindo em um período em que a prática artística estava atrelada às escolas da elite de belas-artes da virada do século XIX para o XX, Arthur Timótheo da Costa (Rio de Janeiro, RJ, 1882-1922) estabelece, em seu trabalho, uma intrínseca relação com o ambiente do ateliê de artista. Não por acaso, seus autorretratos buscam reafirmar esse fazer enquanto práxis fundantes de sua produção. Entre paisagens e figuras, Timótheo da Costa recebe elogios da crítica especializada pelo primor técnico, produzindo em um período marcante da história da arte no Brasil, com o movimento modernista paulistano batendo à porta.

Neste primeiro eixo da exposição, artistas de diversos períodos reafirmam-se em autorretratos, muitos vinculados à prática de ateliê, provocando debates sobre a importância desse espaço para as pesquisas e os caminhos que a produção negra percorreu e pelos quais se estabeleceu ao longo dos séculos. Longe dos paradigmas hegemônicos que ditaram regras e instituíram critérios para apontar quem é ou não artista, o que é ou não arte, as obras aqui apresentadas se afirmam como outros caminhos possíveis para a arte brasileira.

Linguagens

De que forma se dão os movimentos artísticos no Brasil? De que maneira as referências hegemônicas criam as categorias que ditam regras? Rubem Valentim (Salvador, BA, 1922 – São Paulo, SP, 1991) esteve atrelado aos movimentos e às linguagens artísticas por meio de uma produção singular. A partir da abstração geométrica, do construtivismo e do concretismo, seu trabalho foi lido nessas chaves que o categorizaram. No entanto, a produção do artista acontece, justamente, nos encontros entre as ancestralidades africanas, confrontando qualquer categoria que o tentou limitar.

Neste eixo da exposição, o fazer artístico acontece nas mais diversas materialidades. Com base nas pesquisas em ateliês, artistas de momentos distintos tensionam tais regras. À medida que a construção de uma identidade nacional esteve atrelada ao progresso do país, artistas reconstroem a ideia de linguagem, em novos conceitos e paradigmas para se pensar em um outro referencial de arte produzida no Brasil.

Cosmovisão

Nos temas que transitam entre o meio rural e o urbano, Maria Auxiliadora (Campo Belo, MG, 1935 – São Paulo, SP, 1974) criou uma produção pictórica complexa em suas técnicas e desdobramentos poéticos. A artista detém uma prática que buscou discutir questões desde as afrorreligiosidades, passando pelas festas populares, o labor no campo e as relações íntimas consigo mesma, no âmbito familiar em que esteve inserida.

Em obras que atravessam a realidade brasileira e suas problemáticas, como falta de acessos básicos para se viver em um país desigual, este eixo da exposição lança luz sobre essas provocações. A obra de Auxiliadora traz, assim, uma assinatura que a estabeleceu como uma das artistas essenciais para se debater a produção pictórica e artística no país. Em contato com artistas que amplificam os temas nos quais ela esteve interessada em sua curta vida – mas com uma vasta produção –, os discursos ensejam visões de futuro, atualizando nosso olhar para temas caros a nossa sociedade.

Orum

Em iorubá, Orum se estabelece como o mundo espiritual. No trânsito entre o céu e a terra, a obra de Mestre Didi (Salvador, BA, 1917-2013), ou Deoscóredes Maximiliano dos Santos, repousa na presença dessas simbologias, mas não se encerra aí. Artista, intelectual, educador, tradutor e sacerdote, Mestre Didi teve uma trajetória marcada pela intersecção das diferentes frentes em que esteve envolvido. No campo artístico, sua obra é o encontro entre temas, envolta nos mistérios dos cultos afrorreligiosos. Desse modo, a materialidade de seu trabalho se concentra no uso de elementos naturais, em combinações em que a forma se expressa no conteúdo.

Nesse contexto, as obras apresentadas neste eixo da exposição buscam referências nas relações tecidas entre Brasil e África, dos fluxos entre esses territórios conectados pelo Atlântico Negro e das cosmogonias das religiões de matriz africana presentes no país. Entre Orum (céu) e Aiê (terra), observamos a força da ancestralidade do passado ao presente. Na busca por outros cosmos, esses territórios se conectam pela expressão da sabedoria, do poder dos orixás e das águas que banham esses mundos.

Cotidianos

Entre as narrativas às quais artistas negros se dedicaram ao longo de suas carreiras, os temas dos cotidianos estiveram presentes em produções que atravessaram épocas. Lita Cerqueira (Salvador, BA, 1952), fotógrafa e uma das expoentes do fotojornalismo no Brasil, desenvolve um trabalho de mais de quatro décadas. Entre registros de cidades, principalmente da capital baiana, dos cotidianos, fotografia cênica, registros de músicos de sua época, Cerqueira cria um vasto material que perpassa registros de pessoas negras, em sua maioria, sob o olhar da artista.

Por séculos, o artista branco retratou o negro, principalmente no movimento modernista no Brasil, ao passo que o artista negro reivindica esse lugar em obras que vão desde a pintura até a fotografia. Neste eixo da exposição, apresentamos esse olhar, com ênfase em trabalhos que tensionam essas relações e propõem encruzilhadas de afeto e representatividade.

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Serviço

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